Kung Fu, da faixa branca a preta, e da preta a Mestre

Poucos desafios são tão difíceis quanto levar um aluno da faixa branca a faixa preta, que dirá da faixa preta à mestre. Posso dizer sem sombra de dúvidas que esse desafio é quase tão difícil quanto os 12 trabalhos de Hércules.

Os alunos adultos, na maioria dos casos, nos chegam prepotentes, arrogantes, orgulhosos e, fisicamente muito mal, e pior, achando que porque tem bons cargos em suas vidas profissionais ou porque são bem formados, será fácil para eles. Já as crianças, chegam com mau comportamento, mal-educadas, indisciplinadas, mimadas, tortas fisicamente e totalmente dependentes dos pais.

Já no primeiro dia de aula o aluno sofre um impacto fulminante. O adulto, rapidamente percebe que ali sua posição não serve para nada, que ali ele terá que abaixar a cabeça e obedecer a ordens e, principalmente, seguir regras, independentemente de quem esteja puxando as aulas. Dependendo de sua prepotência, arrogância e orgulho, o primeiro dia será também seu último, esse tipo de aluno não volta mais. A criança também rapidamente percebe que, diferentemente dos seus pais, ali ele está diante de uma verdadeira autoridade e, principalmente, que essa autoridade está lhe impondo limites, limites esses que seus pais nunca lhe impuseram, assim, sendo, dependendo do grau de mau comportamento dessa criança, esse também será seu primeiro e único dia de aula, vão dizer aos pais que não gostaram e que não querem mais treinar.

O aluno é doutrinado e ensinado a entrar e sair da sala de treino, cumprimentar, fazer reverência, respeitar a hierarquia e, principalmente, que muitas das coisas que ele pedir lhe será negada, e pior, terá que fazer muitas coisas que ele não gosta, mas, que se quiser ficar, terá que fazer, como, por exemplo: cumprir horário, usar uniforme, fazer flexões, abdominais, chutes, e uma infinidade de outras coisas, não na quantidade que ele quer, mas sim, na que lhe é exigida, até que consiga.

Como se não bastasse todas essas coisas, o aluno enfrentará treinos árduos e enormes desafios. Lhe será exigido fazer coisas que nunca imaginou nem mesmo tentar, coisas que julgava ser impossível de ele conseguir. Fora isso, terá que treinar exaustivamente milhares de técnicas em busca duma perfeição que jamais conseguirá, mas, que lhe será exigida, sem que nem mesmo ele saiba o porquê?

Se o trabalho do aluno é difícil, imagine o do mestre. O mestre sofre uma concorrência desleal, o apelo do mundo lá fora é muito mais gostoso, tem as festas, as farras, TV, videogames, redes sociais, futebol, namorada, namorado, etc. Nada disso exige esforço, nem dor, nem suor. O trabalho do mestre se resume a um esforço continuo e uma perseverança eterna. O trabalho do mestre é como girar pratos em varetas, quando um prato começa a se equilibrar, dois ou três começam a bambear para cair, o mestre então corre de um lado para outro girando novamente esses pratos, porém, conforme o tempo passa, e os treinos ficam mais duros, os pratos esmorecem mais rápidos e o mestre não consegue salva-los. A maioria dos pratos caem antes da faixa preta e o restante vão caindo devagar. Até antes do final quase não sobram mais nenhum prato.

Muitas vezes damos duro com um aluno, fazemos todo o trabalho de base, mantemos o aluno treinando por longos anos, fazendo-o chegar a faixa preta, ou até mesmo chegamos a formá-lo, daí, de repente, o aluno sai, começa a treinar com um mestrão e, dali seis meses você encontra seu ex. aluno usando uma faixa preta do estilo do mestrão. É muito fácil se aproveitar do trabalho árduo feito por outro. Uma coisa é certa, tem que ser muito cara de pau e não ter vergonha na cara para aceitar um aluno nessas condições e, pior ainda, chama-lo de seu discípulo.

No entanto, a você que é mestre, tenho que lhe dizer uma coisa muito dura, algo que talvez você não queira aceitar porque é muito doloroso, que é o seguinte: O aluno que o deixou depois de ter treinado longos anos com você, o fez por uma razão muito simples, ele não o respeitava mais, é simples assim. Quanto ao mestre que o aceitou, a esse não tenho adjetivos para descrevê-lo. Não se preocupe, cada mestre tem o discípulo que merece e vice-versa.

Grão-Mestre Gabriel Amorim

Mestre Gabriel
Mestre Gabriel

Praticante de Kung Fu desde 1980, fundou a TSKF Academia de Kung Fu em 1996, graduado Mestre pela Confederação Mundial de Kuoshu. É escritor, palestrante, ocultista e estudioso da entidade humana.

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