Kung Fu, ética e respeito entre Mestres e discípulos

O Kung Fu não é uma matéria como matemática, história ou geografia, que você troca de professor quando quiser ou na hora que quiser. Kung fu é uma Arte marcial chinesa tradicional, com código de conduta e ética próprios. Isso significa que se você treinar numa escola tradicional perceberá que muitas coisas continuam como antigamente, como, por exemplo, o respeito entre os mestres e a relação entre mestres e discípulos.

Por respeito, por exemplo, um Mestre jamais deveria aceitar o discípulo de outro mestre sem antes consulta-lo. Isso porque a prerrogativa de recusar ou de excluir o discípulo cujo comportamento não for considerado compatível com seu ensinamento é dele. Também, porque a liberdade de escolha é do discípulo e não do Mestre. O mestre que aceita o discípulo de outro sem consulta-lo é indigno e não merece o menor respeito.

É antiético e falta de respeito aceitar o discípulo de outro Mestre sem consulta-lo. É muito fácil pegar um aluno formado por outro mestre e chama-lo de seu discípulo sem ter colocado nenhum trabalho e esforço nele. Pior ainda é escutar somente o lado do discípulo sem ouvir o Mestre, portanto, o mestre que age dessa maneira está cometendo um erro grave e não merece nenhum respeito. Além disso não é inteligente, pois, poderá estar colocando uma laranja podre em sua escola.

Quanto a relação entre Mestre e discípulo, a prerrogativa de escolha do Mestre é do discípulo, consequentemente, um discípulo só deve eleger como Mestre alguém com quem já manifestar empatia. A partir desse momento, o discípulo tem apenas o privilégio de acatar o que vier do Mestre, como, por exemplo, ter fidelidade somente a ele, mas não é só isso. Ser leal não é apenas acatar o que partir do Mestre. É expressar em seus atos, palavras e pensamentos uma atitude de satisfação plena, daquele tipo experimentado pelos apaixonados, quando não querem saber de mais ninguém.

Na relação Mestre/Discípulo, essa atitude de amor e plenitude manifesta-se no sentido de não querer aprender de mais ninguém, coisa alguma, uma vez que o discípulo se encontra perfeitamente satisfeito com a quantidade e qualidade do ensinamento do seu Mestre. Não precisa e não aceita outros Mestres. Não nutre a menor curiosidade sobre o que os outros poderiam ter a ensinar, como a esposa ou o marido fiel não alimenta a mínima curiosidade sobre as carícias com que possam lhe acenar os melhores conquistadores.

É considerado como falta grave de disciplina, falta de ética e falta de educação visitar outros Mestres que pertençam a estilos diferentes ou mesmo a escolas menos leais de seu próprio estilo. Visitar outro Mestre sem a indicação expressa do seu próprio, significa que você não está cem por cento com ele; que não está satisfeito com os ensinamentos e quer compará-los com os de outras escolas, portanto, quando algum aluno me procura e pergunta o que eu acho se ele treinar mais um estilo com outro Mestre, eu respondo o seguinte: “Quem tem um relógio, sabe as horas, quem tem dois, já não tem certeza”, e peço para que ele se decida, pois comigo e com outro não será possível. A princípio pode parecer duro demais ou egoísta demais, mas é o que funciona.

O discípulo tem também o dever de defender seu Mestre, portanto, deve esclarecer todos os demais alunos de sua escola desses conceitos e prepará-los para defender corajosamente seu estilo, sua linhagem e seu Mestre contra os tão frequentes sabichões que, motivados pela inveja, os atacarem. Não se admite um discípulo que fique ouvindo ataques e injúrias ao seu Mestre sem defendê-lo com fibra e eloquência. Tolerância e silêncio, neste caso, seriam indícios apenas de covardia e deslealdade.

Quando alguém começar a declarar qualquer coisa negativa, a ética manda que o discípulo leal não fique ouvindo com curiosidade mórbida o que o detrator tiver a intenção maligna de divulgar. Quem escuta é um difamador passivo, pois permite que o agressor passe adiante sua mensagem malsã. Se tiver coragem, dignidade e amor pelo Mestre, deve interrompê-lo e afirmar: “Não diga mais nada. Eu conheço o trabalho da pessoa em questão e sou testemunha de que o que você está dizendo não é verdade. Saiba que é muito feio caluniar pessoas honestas que estão fazendo um trabalho sério”.

De um discípulo espera-se que ele passe a: Buscar sinceramente o desenvolvimento próprio e do seu estilo. Buscar o que lhe falta, ao invés de criticar por não possuir. Conseguir distinguir o momento para que possa ter amizade com seu mestre, sem que isso interfira na sua prática. Perceber a importância do tempo do seu mestre e do seu próprio. Assumir o que não sabe, e assim se aproximar mais da sabedoria. Valorizar e manter o que aprendeu. Deve ser sincero e humilde para que no futuro possa ensinar a seu próprio mestre.

Grão-Mestre Gabriel Amorim

Mestre Gabriel
Mestre Gabriel

Praticante de Kung Fu desde 1980, fundou a TSKF Academia de Kung Fu em 1996, graduado Mestre pela Confederação Mundial de Kuoshu. É escritor, palestrante, ocultista e estudioso da entidade humana.

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